por Quatermass
Por que os filmes do cinema nacional têm de ser lembrados sempre por cinco estereótipos? As chanchadas da Atlântida nos anos quarenta e cinqüenta; as “geniais” obras do diretor Glauber Rocha nos anos sessenta e setenta; as pornochanchadas de David Cardoso nos anos setenta; os ingênuos (Garota Dourada - 1984) ou escatológicos (O Beijo da Mulher Aranha - 1985) filmes dos anos oitenta; e filmes já dos anos noventa e dois mil, com diretores e atores da Globo, que mais parecem novela das oito em tela grande? Mais, por que as trilhas sonoras têm de ser compostas com melodia e letra (do tipo Chico, Caetano e Gil) - um fundo meramente orquestrado não basta? Resposta: porque nossa crítica cinéfila, nossos diretores, escritores, nossa vanguarda intelectual, são produtos dos tempos da ditadura militar. É piada? Tristemente não é. Se fugir destes padrões a obra cai no ostracismo ou é rotulado. Um exemplo: Glauber Rocha. Segundo os intelectuais que gostam de comentar filmes, Glauber é um gênio. Algum dos internautas já viu um filme dele? Eu já. Seus filmes são quase como se filmados por amadores em vídeos caseiros. Seus personagens não sabem quem são, o que fazem, nem onde estão. Não se situam política e geograficamente. É uma confusão de idéias, de discursos pseudo-ideologizados e imagens mal editadas. Mas este estado de coisas significa contestação, a não sujeição aos modelos político, econômico, social e cultural impostos por Washington e principalmente por Hollywood.
Confesso, nasci em novembro de 1963, alguns meses antes do Golpe de 1964, logo também sou filho da ditadura. Mas necessariamente tem que se seguir e aceitar este estúpido padrão? Também não. Mas os filmes de Glauber seguem e nossa crítica aceita. É como uma obra abstrata em que o artista deixa ao critério do cidadão comum tirar suas conclusões. Só que em cinema quem pensa por nós é a crítica. Daí vem “os geniais filmes de Glauber Rocha”, ou seja, somos reféns da ditadura da crítica. Não me esqueço de uma cena de Terra em Transe (1967) com o saudoso Paulo Autran empunhando uma pistola alemã da segunda guerra e dizendo coisas sem nexo. Poderia até interpretar da seguinte maneira (sem o amparo de um crítico, óbvio): um burguês fascista empunhando uma pistola nazista, logo, foi filmada por um diretor que faz apologia ao fascismo (porque, no fundo, todo discurso nazi/fascista também é sem nexo)! Segundo alguns isto é genialidade, pois foge às convenções. Mas também não deixa de ser uma convenção a subversão de valores. Quantos diretores e obras cinematográficas continuam esquecidos justamente por não se encaixarem neste ou nos demais estereótipos citados inicialmente? José Mojica Marins (o Zé do Caixão) faz mais sucesso lá fora que aqui! E digo mais, seus textos são mais interessantes que os de Glauber! O Pagador de Promessas, o Assalto ao Trem Pagador e o Cangaceiro são, por assim dizer, sobreviventes desta ditadura. Sim, porque ousaram manter um modelo convencional, sobre temas tupiniquins, mas sem incorrer nos padrões histéricos do trinômio genialidade-bestialidade-mediocridade. O mérito destas verdadeiras obras deve-se por sua mensagem universal e qualidades intrínsecas.
O Cangaceiro é meu filme brasileiro favorito. Li várias vezes Os Sertões, de Euclides da Cunha. Não há como desassociar o filme de Lima Barreto sobre o miserável Nordeste dos anos trinta do século passado, com os miseráveis baianos de Antonio Conselheiro do fim do século dezenove. Lampião comandou o cangaço em toda uma região, sempre itinerante, e em determinado momento chegou a ser designado oficial do exército, ou seja, foi-lhe conferida autoridade! Já Antônio Conselheiro, pecou por agregar desgarrados e outros abandonados da República e ignorar o poder das autoridades municipal, estadual e federal, fixando-se no Arraial de Canudos. Resistiu à várias expedições militares, e também pagou por isto, mas de um modo mais terrível: às custas do extermínio de quase toda a população do arraial. O Cangaceiro dolorosamente relembra um pouco o drama de Canudos: a opressão, a fé e a resignação do nordestino associadas a sua teimosa resistência, a miséria e a seca. É um filme de 1953, o mais antigo destes três. É bruto, cru, direto e realista. A fotografia em preto e branco e a direção são de uma beleza plástica quase poética, pois capta o simples, o rústico. Não há complexidades, nem delírios visionários identificados por poucos privilegiados, apenas uma história a ser contada. Como é bom ver um filme assim: brasileiro, singelo e épico.
Bem, fico devendo o vídeo de O Cangaceiro. Mas o You Tube nos deu uma mão com O Pagador de Promessas, que parece ilustrar razoavelmente este post. (Thintosecco)
Confesso, nasci em novembro de 1963, alguns meses antes do Golpe de 1964, logo também sou filho da ditadura. Mas necessariamente tem que se seguir e aceitar este estúpido padrão? Também não. Mas os filmes de Glauber seguem e nossa crítica aceita. É como uma obra abstrata em que o artista deixa ao critério do cidadão comum tirar suas conclusões. Só que em cinema quem pensa por nós é a crítica. Daí vem “os geniais filmes de Glauber Rocha”, ou seja, somos reféns da ditadura da crítica. Não me esqueço de uma cena de Terra em Transe (1967) com o saudoso Paulo Autran empunhando uma pistola alemã da segunda guerra e dizendo coisas sem nexo. Poderia até interpretar da seguinte maneira (sem o amparo de um crítico, óbvio): um burguês fascista empunhando uma pistola nazista, logo, foi filmada por um diretor que faz apologia ao fascismo (porque, no fundo, todo discurso nazi/fascista também é sem nexo)! Segundo alguns isto é genialidade, pois foge às convenções. Mas também não deixa de ser uma convenção a subversão de valores. Quantos diretores e obras cinematográficas continuam esquecidos justamente por não se encaixarem neste ou nos demais estereótipos citados inicialmente? José Mojica Marins (o Zé do Caixão) faz mais sucesso lá fora que aqui! E digo mais, seus textos são mais interessantes que os de Glauber! O Pagador de Promessas, o Assalto ao Trem Pagador e o Cangaceiro são, por assim dizer, sobreviventes desta ditadura. Sim, porque ousaram manter um modelo convencional, sobre temas tupiniquins, mas sem incorrer nos padrões histéricos do trinômio genialidade-bestialidade-mediocridade. O mérito destas verdadeiras obras deve-se por sua mensagem universal e qualidades intrínsecas.
O Cangaceiro é meu filme brasileiro favorito. Li várias vezes Os Sertões, de Euclides da Cunha. Não há como desassociar o filme de Lima Barreto sobre o miserável Nordeste dos anos trinta do século passado, com os miseráveis baianos de Antonio Conselheiro do fim do século dezenove. Lampião comandou o cangaço em toda uma região, sempre itinerante, e em determinado momento chegou a ser designado oficial do exército, ou seja, foi-lhe conferida autoridade! Já Antônio Conselheiro, pecou por agregar desgarrados e outros abandonados da República e ignorar o poder das autoridades municipal, estadual e federal, fixando-se no Arraial de Canudos. Resistiu à várias expedições militares, e também pagou por isto, mas de um modo mais terrível: às custas do extermínio de quase toda a população do arraial. O Cangaceiro dolorosamente relembra um pouco o drama de Canudos: a opressão, a fé e a resignação do nordestino associadas a sua teimosa resistência, a miséria e a seca. É um filme de 1953, o mais antigo destes três. É bruto, cru, direto e realista. A fotografia em preto e branco e a direção são de uma beleza plástica quase poética, pois capta o simples, o rústico. Não há complexidades, nem delírios visionários identificados por poucos privilegiados, apenas uma história a ser contada. Como é bom ver um filme assim: brasileiro, singelo e épico.
Bem, fico devendo o vídeo de O Cangaceiro. Mas o You Tube nos deu uma mão com O Pagador de Promessas, que parece ilustrar razoavelmente este post. (Thintosecco)
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