por Quatermass
Esta postagem presta uma
homenagem ao Che Guavira, do blog homônimo; ao Luiz Dias, do Chutinosaco; ao
Bartolomeu, do Bartolomeu 777; ao Chesco 36, do Gibis Clássicos; do Gizmo, do
Tralhas Várias; ao Eudes Honorato, do Rapadura Açucarada; aos blogs
Quadradinhos Patópolis e Esquilo Scans; e tantos outros que buscam resgatar e
compartilhar quadrinhos esquecidos. Quero também homenagear aquele que talvez
tenha sido o maior gênio da Disney e um dos maiores gênios dos quadrinhos de todos
os tempos: Carl Barks.
Barks não foi tão prolífico quanto Tony Strobl ou Paul
Murry: desenhou e roteirizou pouco mais de quinhentas histórias. Seu traço
confundível: é econômico, nervoso e sempre transmite ação; seria como um pintor
que com meia dúzia de pinceladas cria toda a obra. Alguns tentam imitá-lo, mas
de forma equivocada: carregam a história com traços inúteis, tal qual a
releitura digital de Guerra nas Estrelas. Barks não só roteirizava, também
aceitava roteiros de terceiros, entre as quais uma de suas filhas, a qual
recompensava com parte do dinheiro que recebia da Western.
Apesar de desenhar
desde os anos 40, somente viajou para o estrangeiro nos anos noventa.
Utilizava-se de National Geographic para visualizar os cenários de suas
histórias épicas. Morreu com 99 anos (1901-2000). Era um sujeito simples, que
economizava o pouco que seus patrões pagavam e viveu no anonimato até o início
dos anos sessenta, quando um de seus fãs o conheceu (quase no final da
carreira). Aposentou-se em 1966, apesar de continuar a criar roteiros e nos
anos setenta passou a pintar telas daquelas que foram suas maiores epopeias.
Pelos
quadros foi processado pela Disney (@#?!$%!!!*#@$#$), por uso sem autorização
dos personagens e histórias – que ele criou! A Editora Abril somente começou a creditar
os desenhistas no final dos anos oitenta. PS: não só os de lá de fora, a
própria Abril manteve no anonimato Renato Canini (Zé Carioca) e Carlos Edgard
Herrero (Tio Patinhas, Donald, Peninha, os Irmãos Metralha, etc) entre outros.
Barks era o típico caipira americano. Era xenófobo, a ponto de criar uma visão
caricata dos países do sudeste asiático, época em que os Estados Unidos estavam
atolados no Vietnã, Laos e Camboja (numa das histórias, o país asiático
atrasado chamava-se Vietnunca).
Mas também fazia caricaturas do ‘way of life’
americano, através das aspirações de grandeza do Pato Donald, da necessidade de
guardar o rico dinheirinho numa caixa-forte (Tio Patinhas), dos sobrinhos que
nunca tinham pais (e dos quais os tios assumiam a função), do espírito empreendedor
e das mancadas que daí advinham.
Algumas vezes reescrevia a mesma história com
outras nuances. Escreveu épicos, histórias curtas de 10, 15 páginas e vinhetas.
Mas seus clássicos foram as histórias longas, as épicas publicadas
principalmente nas revistas Mickey e Tio Patinhas (já que as revistas Pato
Donald e Zé Carioca continham não mais que 30 páginas). O Rei do Rio de Ouro, O
Grande Operador, Volta ao Klondike,
Perdidos nos Andes, As Minas do Rei Salomão, e tantas outras
foram originalmente escritas em sua fase de ouro do (1950-1960) e uma delas
sempre me vem à memória: O Elmo de Ouro.
Originalmente escrita em 1952 (Four
Color Comics # 408) foi de todas as histórias longas a menos republicada
pela Editora Abril. A provável causa talvez seja de que no início da história
ocorre um aspecto desconcertante e politicamente incorreto: uma visão caricata
do homossexualismo. Donald, um guarda do museu, atende de maneira pouco
amistosa um visitante dotado de trejeitos, fruto da visão americana dos anos
cinquenta, quando sexo era tabu.
Passada esta análise, voltamos para a história:
Donald encontra um pergaminho dentro de uma antiga embarcação viking. O
documento fora escrito por Olaf Blue narrando sua descoberta da América séculos
antes de Cristovão Colombo. Depois aparece Azure Blue, representado por seu
advogado Sharky, que se diz descendente do viking Olaf e que por direito a ele
caberiam as terras desbravadas por seu antepassado na América.
Um mapa leva
Donald e sobrinhos à região do Labrador, no Canadá, onde supostamente Olaf
teria escondido o elmo e é encontrado. Ao detentor do lendário Elmo de Ouro também
será conferido o título de verdadeiro detentor das terras americanas. E então
começa a disputa com Azure Blue.
É uma obra típica de Carl Barks: envolve
conhecimentos históricos e geográficos, aparentemente banal, mas dotada da complexidade
transmitida em traços curtos e nervosos. E difícil de ser encontrada: publicada
no Brasil pelas revistas Pato Donald e Mickey entre 1955 e 1957, somente foi
republicada no século 21 (quase cinquenta anos depois) na série O Melhor da
Disney – As Obras Completas de Carl Barks.
Antes disso, porém, adquiri na
saudosa Livraria Sulina no ano de 1988 uma edição especial de Barks com a
história original em inglês e sem cortes. O
Elmo de Ouro é uma obra grandiosa, fruto de um grande artista, que
sintetiza todos os demais trabalhos: é uma fábula dotada do espírito de
aventura, e que indaga a questão moral, a ambição desmedida e o castigo.
Falar
sobre Carl Barks dificilmente caberia nesta postagem ou mesmo em algum livro
defenestrando sua obra (Para Ler o Pato
Donald). Barks era genial porque desenhava e escrevia de maneira simples, dotada
de mensagens subliminares (como sua aversão à advogados) e de conotação moral.
Era completo, beirando a perfeição, mas como perfeição não existe, mesmo que
involuntariamente, passou para a eternidade como aquele que quase chegou lá!
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