por Quatermass
Sorte a minha que resido em
província contígua ao Uruguai. Sorte a minha que não tenho como me aproximar
dos centros culturais de Rio e São Paulo. Sorte a minha que nunca conheci,
sequer obtive qualquer contato com artistas ou autores de qualquer gênero.
Sorte a minha que a gauchada aqui pensa que é superior ao resto do Brasil e que
a cultura gaudéria deve ser preservada. Sorte a minha que com o surgimento da
Internet pude vislumbrar produção cultural em escala até então intangível e inimaginável,
que antes estavam em posse de poucos energúmenos.
Cultura é conhecimento, não
pode ser privatizada; não pode ficar a mercê da vontade de poucos, seja por
aqueles que mandam, seja por quem faz cultura. Cultura é uma universalidade de
valores e por dizer tal redundância, desprezo quem de alguma forma tenta
restringi-la. Cultura se transmite em filmes, livros, artigos, música, tradição
oral, mídia. A mídia hoje é uma incongruência: possui um potencial incrível,
porém, em nome de criações jurídicas abstratas, produz-se concepções legais que
desembocam em aberrações.
Tomemos por exemplo a revista em quadrinhos: o autor
cria, a editora publica, distribuidora vende e o comprador permanece refém do
primeiro, pois mesmo tendo despendido dinheiro, não lhe é permitido livre
dispor da mercadoria. O quadrinho para o autor é seu meio de vida, seu
sustento, cujo produto acabado será motivo de pagamento. Não caberá a ele
escolher a quem vender a revista; muito menos lhe interessa saber. Seu dom em
desenhar e criar histórias é seu ganha-pão.
Ao editor cabe escolher o que
publicar, que tipo de mercadoria disponibilizará e qual o publico visado. A
distribuidora colocará ao alcance do comprador. Agora, o comprador: quem é que
gosta de quadrinhos? Há três faixas etárias: a criança, o jovem e o adulto. A
criança, quando a “revistinha” é a extensão dos livros infantis. O jovem,
quando a identificação recai nos personagens e nos temas abordados. O adulto
identifica-se principalmente com editora, tema e autoria; quase sempre fecha o
ciclo iniciado quando criança.
O adulto busca voltar no tempo através dos
quadrinhos, revisitar trabalhos geniais, relembrar momentos prazerosos e
inevitavelmente, muitas vezes continua a colecionar. E os quadrinhos antigos o
que mudou? Àqueles colecionadores que detém exclusividade sobre edições muito
antigas, nada. Antes da Internet, os que não possuíam gibis o destino era o “sebo”;
com o século XXI, mais precisamente, no final da primeira década, através de
downloads de quem coleciona (porque pagou) quadrinhos.
Agora a questão moral é
a seguinte: fulano desenhou, beltrano pagou e quis compartilhar com quem não
tinha. Diga-se de passagem que, durante os últimos trinta anos somente
encontrei revistas na Internet que nunca
havia encontrado em sebos, porque não existiam mais. O triste destino das
revistinhas é o lixo. Se o autor de histórias em quadrinhos ainda não sabe,
fique pois sabendo que o famigerado “dia da faxina” contribui de sobremaneira
para destruição de seu produto final. Por isso é que respeito tanto quem
desenha, roteiriza, como aqueles que abrem mão de sua exclusiva coleção para compartilhar
com terceiros, sem retribuição pecuniária, sem ameaças jurídicas e sem o devido
reconhecimento.
Afinal, quantos números existem ainda de um Pato Donald dos
anos cinquenta, sessenta ou setenta? Se a faxina, o mofo e as
traças/brocas/cupins não destruírem o papel, os direitos autorais destruirão
todo o acervo virtual resgatado. Se é para ir para o lixo, então pensemos da
seguinte maneira: se o destino de um Big Mac é a privada; o de uma revista em
quadrinhos é o lixão!
O mais triste é que certos autores tentam convencer o público em geral que sua obra literária deve ter mesmo destino da gastronomia!
O mais triste é que certos autores tentam convencer o público em geral que sua obra literária deve ter mesmo destino da gastronomia!
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