segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A AFETIVIDADE NÃO TEM CUSTO-BENEFÍCIO






por Quatermass




Sorte a minha que resido em província contígua ao Uruguai. Sorte a minha que não tenho como me aproximar dos centros culturais de Rio e São Paulo. Sorte a minha que nunca conheci, sequer obtive qualquer contato com artistas ou autores de qualquer gênero. Sorte a minha que a gauchada aqui pensa que é superior ao resto do Brasil e que a cultura gaudéria deve ser preservada. Sorte a minha que com o surgimento da Internet pude vislumbrar produção cultural em escala até então intangível e inimaginável, que antes estavam em posse de poucos energúmenos.


Cultura é conhecimento, não pode ser privatizada; não pode ficar a mercê da vontade de poucos, seja por aqueles que mandam, seja por quem faz cultura. Cultura é uma universalidade de valores e por dizer tal redundância, desprezo quem de alguma forma tenta restringi-la. Cultura se transmite em filmes, livros, artigos, música, tradição oral, mídia. A mídia hoje é uma incongruência: possui um potencial incrível, porém, em nome de criações jurídicas abstratas, produz-se concepções legais que desembocam em aberrações.


Tomemos por exemplo a revista em quadrinhos: o autor cria, a editora publica, distribuidora vende e o comprador permanece refém do primeiro, pois mesmo tendo despendido dinheiro, não lhe é permitido livre dispor da mercadoria. O quadrinho para o autor é seu meio de vida, seu sustento, cujo produto acabado será motivo de pagamento. Não caberá a ele escolher a quem vender a revista; muito menos lhe interessa saber. Seu dom em desenhar e criar histórias é seu ganha-pão. 







Ao editor cabe escolher o que publicar, que tipo de mercadoria disponibilizará e qual o publico visado. A distribuidora colocará ao alcance do comprador. Agora, o comprador: quem é que gosta de quadrinhos? Há três faixas etárias: a criança, o jovem e o adulto. A criança, quando a “revistinha” é a extensão dos livros infantis. O jovem, quando a identificação recai nos personagens e nos temas abordados. O adulto identifica-se principalmente com editora, tema e autoria; quase sempre fecha o ciclo iniciado quando criança. 


O adulto busca voltar no tempo através dos quadrinhos, revisitar trabalhos geniais, relembrar momentos prazerosos e inevitavelmente, muitas vezes continua a colecionar. E os quadrinhos antigos o que mudou? Àqueles colecionadores que detém exclusividade sobre edições muito antigas, nada. Antes da Internet, os que não possuíam gibis o destino era o “sebo”; com o século XXI, mais precisamente, no final da primeira década, através de downloads de quem coleciona (porque pagou) quadrinhos.


Agora a questão moral é a seguinte: fulano desenhou, beltrano pagou e quis compartilhar com quem não tinha. Diga-se de passagem que, durante os últimos trinta anos somente encontrei  revistas na Internet que nunca havia encontrado em sebos, porque não existiam mais. O triste destino das revistinhas é o lixo. Se o autor de histórias em quadrinhos ainda não sabe, fique pois sabendo que o famigerado “dia da faxina” contribui de sobremaneira para destruição de seu produto final. Por isso é que respeito tanto quem desenha, roteiriza, como aqueles que abrem mão de sua exclusiva coleção para compartilhar com terceiros, sem retribuição pecuniária, sem ameaças jurídicas e sem o devido reconhecimento.


Afinal, quantos números existem ainda de um Pato Donald dos anos cinquenta, sessenta ou setenta? Se a faxina, o mofo e as traças/brocas/cupins não destruírem o papel, os direitos autorais destruirão todo o acervo virtual resgatado. Se é para ir para o lixo, então pensemos da seguinte maneira: se o destino de um Big Mac é a privada; o de uma revista em quadrinhos é o lixão! 


O mais triste é que certos autores tentam convencer o público em geral que sua obra literária deve ter mesmo destino da gastronomia!




0 comentários:

Related Posts with Thumbnails