segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ADEUS E OBRIGADO HOBBYCRAFT







 por Quatermass



Nesta semana encerraram-se as atividades da mais antiga loja de plastimodelismo do sul do Brasil. Sempre fico reticente quando um comerciante alardeia estar a “tantos anos” em funcionamento ou “desde 19...” Estou triste, pois nestes 25 anos aprendi muito sobre plastimodelismo e criei grande ojeriza dos plastimodelistas. Junto com meu amigo Luiz, da Livraria Aurora, a Hobbycraft era o segundo motivo para minhas peregrinações ao centro de Porto Alegre. A Hobbycraft fechou não só porque os tempos mudaram, mas, principalmente, porque os plastimodelistas não evoluíram. 


Em meus 49 anos descobri o hobby no início dos anos 70, quando não havia Internet, TV a cabo, nem videogame. Ao contrário, existiam quatro canais de TV aberta, em preto e branco, um número reduzido de brinquedos, autoramas e ferromodelismo carésimos, e os kits plásticos injetados e distribuídos pela Kikoler. Os moldes eram oriundos da Revell americana. 


Surgida no início dos anos 60 importando os primeiros modelos em escala, a Kikoler cresceu em 10 anos, a ponto de estar presente desde as grandes lojas de departamentos, como Mesbla, Hermes Macedo e Lojas Americanas, até pequenos bazares e tabacarias. Em POA surge a Hobby Brinquedos, também no centro, onde podiam ser encontrados kits importados da Airfix, Monogram, Matchbox, Frog, Tamiya e outras.






O plastimodelismo proporciona um efeito hipnótico: faz com que seu praticante sonhe. Sonhe em um dia tirar as peças da caixa e montar; sonhe em montar um modelo realmente em escala do avião, carro, navio, tanque, originais; sonhe em criar novos laços de amizades com outros plastimodelistas. Mas a vida mostra que tudo são fases: são momentos que surgem, são curtidos e depois acabam.


A vida mostra que sonhos têm curta duração. Nunca esperei contar com ajuda ou orientação de outro plastimodelista e ainda bem que assim pensei, pois nunca me decepcionei. E como exemplo, cito um causo da própria Hobbycraft: surgida em meados de 1988 era do conhecimento de grande parcela dos então plastimodelistas da época, mas sempre que indagava o endereço, lá vinham as desculpas do gênero “sei onde fica, mas não lembro o número, nem a rua”, “tinha anotado o telefone, mas esqueci em casa”, “fulano já foi lá mas acho que não é naquele endereço”.





Realmente, plastimodelista gaúcho é um grandessíssimo bundão: seu ego é maior que a Amazônia, mas o resultado fica aquém do maternal. Certa feita, em 1993, fui convidado a participar de uma exposição com distribuição de prêmios num cafofo do centro, point da "magrinhagem balaqueira". Na véspera fui verificar o trabalho dos competidores e vislumbrei, lado a lado, dois kits aparentemente em mesmo pé de igualdade: ambos pintados a pincel, ambos eram aviões. 


Mas não havia paridade: o T-6 fora montado por um senhor cinquentão que frequentava a "tchurma", o MiG-29 era de autoria desconhecida. Mas um detalhe me chamava a atenção: a roda da bequilha do T-6 estava pintada em alumínio, quando deveria ser cor de borracha; já o avião russo fora pintado honestamente (cada cor no seu devido lugar).  Já fiquei com pé atrás! 


Não deu outra! Após a realização do evento, compareci na loja e fiquei sabendo que o T-6 ganhou o 1º lugar na categoria aviação; ao MiG-29, nada. Nada surpreendente já que além de egocêntrico o plastimodelista dos pagos também é barraqueiro. Mas meu queixo caiu quando apareceu o dono do MiG: na mesma hora chegaram dois meninos e um deles falou: “fulano, vim pegar meu kit”. O guri pegou o avião e cuidadosamente guardou em uma caixa, saindo do estabelecimento silenciosamente. Nunca mais o vi no cafofo, na Hobbycraft, nem em qualquer outra loja. E este fato sempre ficou em minha memória: a inexistência de uma nova geração de plastimodelistas. 


Já que a velharia se criou montando aviõezinhos injetados pela teimosia de seu Arno Kikoler, por qual motivo uma criança hoje em dia se meteria num hobby fechado, que exige conhecimentos em pesquisa, montagem, acabamento, pintura e a necessidade de se entrosar com outros praticantes narcisistas, quando existem videogames, legos, e muitos outros hobbies que não existiam há cinquenta anos atrás? “Just a hobby. It’s a fun” não se aplica no Brasil. Lá fora americanos, europeus e asiáticos levam a sério, o hobby cresceu, evoluiu, mas não se esqueceram dos mais jovens: sempre há um lugar para novatos. 






No Brasil existe a geração Kikoler e pós-Kikoler. A primeira, começou montando kits nacionais até o fechamento da Kikoler no início de 1990, e passou a comprar kits importados, agora legalizados na era Collor; a segunda seria a geração curiosa, a de vinte anos para cá, quando na casa de alguém, viu o kit montado, achou legal, quis fazer igual, mas não sem empolga em investir em livros, aerógrafos ou acessórios. O resultado é que com o tempo, a primeira geração vai se indo, enquanto que a segunda, se entedia com a possibilidade de deixar de comprar um Big Mac ou um Blue Ray para montar plástico.


Agora, vamos deixar de lado um pouco este lado deprê e falar da Hobbycraft e do hobby. Apesar de não parecer, já fui criança. Portanto, houve tempo que sonhava. Sonhava com a possibilidade de ver montado um kit igual a uma pintura de Jack Leynnwood. Adorava montar um avião 48 ou 72 vezes menor, sem me importar com opiniões. O melhor deste hobby não é o produto acabado, mas o processo de montagem, as dificuldades, as imperfeições e as necessárias correções, e a história que daí advém. A curtição começava na loja: qual kit escolher, que tintas comprar, qual a nacionalidade... um belo e adorável drama. Just a hobby. It’s a fun – “apenas um hobby, isto é diversão” é a expressão perfeita para definir o sentimento de um  verdadeiro plastimodelista. Não é para excluir, mas fazer amigos e curtir troca de experiências.






Este estado de sentimentos somente havia encontrado na Hobbycraft. O Flávio é um sujeito super acessível, até mesmo para um “mala” saudosista como eu. Não se nega a ensinar, desde que o cara realmente esteja a fim  de aprender. Dono de um leque muito grande de ideais, fundou um museu, incentivou o hobby como pode. De volta a 1988 estava eu atrás de uma loja assim. Mas sabe como é... ninguém se lembrava do nome da loja, do telefone ou do endereço, utilizando-se das desculpas mais descaradas e criativas do Rio Grande. Mas foi num anúncio nos classificados da Zero Hora, que descobri o local da Área 51 de Porto Alegre. Em outubro daquele ano entrei em contato com um outro mundo. Não haviam discos voadores, nem Ets, melhor que isso: duas prateleiras lotadas de publicações da Squadron e kits consignados. 


A loja começou junto a um escritório de arquitetura, quando no ano seguinte passou para uma outra sala comercial na mesma Ramiro Barcelos. Em 1992, mudou-se do bairro Bomfim para o Centro, mais precisamente numa galeria da Rua Demétrio Ribeiro, numa loja maior para atender a demanda então crescente daquela década. Mas a entrada do século 21 significou uma mudança gradual, ainda, que imperceptível de tendência: a Hobbycraft já estava consolidada há mais de dez anos, era conhecida nacionalmente, tanto pelos kits quanto pela representação no Brasil da Squadron; mas, inexoravelmente, a Internet facilitou o acesso a e-books gratuitos, compras no exterior e artigos em sites e blogs especializados. Se por um lado facilitou a vida do praticante do hobby, pôs em desvantagem o comerciante que paga impostos, aluguel, condomínio e faturas para manter seu negócio. 


Mais recentemente mudou-se para a Av. Borges de Medeiros, perto do cinema Capitólio. Daí que, como cliente, passei a presenciar pessoas ingressando na loja para perguntar se “tiravam xerox”, “se vendiam aeromodelos”, ou que simplesmente passavam o tempo durante o horário de almoço perguntando preços de todo o estoque ou que apenas queriam conhecer a loja ou, ainda, para gastar o tempo em prosa, afirmando que há priscas eras montava kits Revell e que no dia seguinte voltariam para levar o modelo. 


Toda esta provação demonstra que um hobby estimulado por um visionário no início dos anos sessenta morreu quando o Sr. Arno Kikoler passou para um outro plano; o que se segue é um lento e inexorável processo de agonia. Muitas lojas fecharam e chegou a vez da Hobbycraft. E lamento duplamente, pela ausência de referencias e pelo fato de que mais uma livraria se encerra em Porto Alegre.







O brasileiro em geral e o gaúcho em especial é curioso: sempre alega que iria comprar o livro ou a mercadoria recém vendida, mas não compra nenhuma outra; chora quando um estabelecimento fecha suas portas dizendo desconhecer as verdadeiras causas que motivaram este ato extremo; em suma, aparenta ser detentor de grande humildade quando na verdade a abomina. E é por isso que digo, pelo ¼ de século de perseverança do Flávio e sua loja: adeus e obrigado pelos momentos inesquecíveis!




segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NEIL GAIMAN: "FAÇA BOA ARTE!"





por Thintosecco e MrOx





No final dos anos 80 achei que não me surpreenderia com mais nada em termos de quadrinhos. Mas ainda faltava ler Sandman.


Havia uns cinco anos que eu voltara a ler gibis Isto porque dois amigos insistiram para que eu conhecesse umas histórias "novas" da Marvel (do Homem-Aranha e do Demolidor) escritas e desenhadas por um certo Frank Miller. Ao mesmo tempo conheci os X-MEN, na fase Claremont e Byrne, e logo em seguida A Espada Selvagem de Conan, que quebrou o paradigma dos formatinhos coloridos, saindo em charmoso preto e branco, em raro "formatão". 


Mas os quadrinhos da DC não ficaram para trás: Camelot 3000, Esquadrão Atari, os Novos Titãs do George Perez e, logo, depois, o Monstro do Pântano na fase do Alan Moore, também surpreendiam. Surgiram depois as graphic novels, que eram edições especiais impressas em papéis especiais e com colorido nunca visto antes em quadrinhos. E com este luxo tive a honra de ler obras como O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Ronin, V de Vingança... Que show!    






O que faltava ser feito em quadrinhos? Uma revista mensal com padrão de graphic novel. Ah, mas nenhuma editora vai lançar uma revista assim - era o que eu pensava. Mas estava enganado - que bom! Um belo dia encontrei nas bancas o número 1 de Sandman, lançado pela Editora Globo. Nossa, era praticamente uma graphic novel mensal!  E com que capas! Eram incríveis lustrações de Dave McKean, feitas especialmente para a revista. 



Quero destacar a coragem da Editora Globo, que lançou Sandman no Brasil em seu formato original, numa época muito complicada economicamente. Se o preço do primeiro número foi NCz$ 16,00, na quinta edição já custava NCz$ 65,00 (e foi com grande esforço que consegui manter minha coleção). Pensando bem, valentes éramos nós que comprávamos quadrinhos naquele tempo... Aliás, levei anos para completar V de Vingança,, lançada na mesma época, já que algumas vezes não deu para levar as duas revistas juntas! Depois de cancelada pela Globo, Sandman passou a ser publicada e distribuída no Brasil pela Devir, somente sendo encontrada em revistarias especializadas (e daí porque me dirigia à Comic Store Planeta Proibido, em Porto Alegre, ao menos uma vez por mês para, no mínimo, comprar a última edição do Mestre dos Sonhos).



Não vou me estender sobre Sandman - quem não conhece deve ir atrás "para ontem" -  mas quero chegar ao seu criador: Neil Gaiman. Esse genial roteirista inglês, após a carreira exitosa nos quadrinhos, tornou-se um bem-sucedido escritor de livros e já teve algumas incursões no cinema: Beowulf e Coraline são criações dele. Roteirizou para a tevê alguns episódios de Babylon 5 (colaborando com o amigo J. Michael Straczynski) e Doctor Who. Já foi agraciado com os prêmios Hugo e Nebula, e recebeu 13 Prêmios Eisner. 


Em 2012 Neil Gaiman discursou na Universidade de Artes da Filadélfia, ocasião em que falou um pouco de sua história e deixou pelo menos um recado, sobre o qual vale a pensa pensar: "faça boa arte"! Vale conferir no vídeo que segue (ative as legendas).



Para quem quiser ler o texto desse discurso, uma boa opção é o blog Trabalho Sujo.




 

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