sábado, 17 de agosto de 2013

O ELMO DE OURO






 por Quatermass



Esta postagem presta uma homenagem ao Che Guavira, do blog homônimo; ao Luiz Dias, do Chutinosaco; ao Bartolomeu, do Bartolomeu 777; ao Chesco 36, do Gibis Clássicos; do Gizmo, do Tralhas Várias; ao Eudes Honorato, do Rapadura Açucarada; aos blogs Quadradinhos Patópolis e Esquilo Scans; e tantos outros que buscam resgatar e compartilhar quadrinhos esquecidos.  Quero também homenagear aquele que talvez tenha sido o maior gênio da Disney e um dos maiores gênios dos quadrinhos de todos os tempos: Carl Barks.  





Barks não foi tão prolífico quanto Tony Strobl ou Paul Murry: desenhou e roteirizou pouco mais de quinhentas histórias. Seu traço confundível: é econômico, nervoso e sempre transmite ação; seria como um pintor que com meia dúzia de pinceladas cria toda a obra. Alguns tentam imitá-lo, mas de forma equivocada: carregam a história com traços inúteis, tal qual a releitura digital de Guerra nas Estrelas.  Barks não só roteirizava, também aceitava roteiros de terceiros, entre as quais uma de suas filhas, a qual recompensava com parte do dinheiro que recebia da Western.


Apesar de desenhar desde os anos 40, somente viajou para o estrangeiro nos anos noventa. Utilizava-se de National Geographic para visualizar os cenários de suas histórias épicas. Morreu com 99 anos (1901-2000). Era um sujeito simples, que economizava o pouco que seus patrões pagavam e viveu no anonimato até o início dos anos sessenta, quando um de seus fãs o conheceu (quase no final da carreira). Aposentou-se em 1966, apesar de continuar a criar roteiros e nos anos setenta passou a pintar telas daquelas que foram suas maiores epopeias. 



  




  

Pelos quadros foi processado pela Disney (@#?!$%!!!*#@$#$), por uso sem autorização dos personagens e histórias – que ele criou! A Editora Abril somente começou a creditar os desenhistas no final dos anos oitenta. PS: não só os de lá de fora, a própria Abril manteve no anonimato Renato Canini (Zé Carioca) e Carlos Edgard Herrero (Tio Patinhas, Donald, Peninha, os Irmãos Metralha, etc) entre outros. 


Barks era o típico caipira americano. Era xenófobo, a ponto de criar uma visão caricata dos países do sudeste asiático, época em que os Estados Unidos estavam atolados no Vietnã, Laos e Camboja (numa das histórias, o país asiático atrasado chamava-se Vietnunca).


Mas também fazia caricaturas do ‘way of life’ americano, através das aspirações de grandeza do Pato Donald, da necessidade de guardar o rico dinheirinho numa caixa-forte (Tio Patinhas), dos sobrinhos que nunca tinham pais (e dos quais os tios assumiam a função), do espírito empreendedor e das mancadas que daí advinham. 






Algumas vezes reescrevia a mesma história com outras nuances. Escreveu épicos, histórias curtas de 10, 15 páginas e vinhetas. Mas seus clássicos foram as histórias longas, as épicas publicadas principalmente nas revistas Mickey e Tio Patinhas (já que as revistas Pato Donald e Zé Carioca continham não mais que 30 páginas). O Rei do Rio de Ouro, O Grande Operador, Volta ao Klondike, Perdidos nos Andes, As Minas do Rei Salomão, e tantas outras foram originalmente escritas em sua fase de ouro do (1950-1960) e uma delas sempre me vem à memória: O Elmo de Ouro






Originalmente escrita em 1952 (Four Color Comics # 408) foi de todas as histórias longas a menos republicada pela Editora Abril. A provável causa talvez seja de que no início da história ocorre um aspecto desconcertante e politicamente incorreto: uma visão caricata do homossexualismo. Donald, um guarda do museu, atende de maneira pouco amistosa um visitante dotado de trejeitos, fruto da visão americana dos anos cinquenta, quando sexo era tabu. 


   




Passada esta análise, voltamos para a história: Donald encontra um pergaminho dentro de uma antiga embarcação viking. O documento fora escrito por Olaf Blue narrando sua descoberta da América séculos antes de Cristovão Colombo. Depois aparece Azure Blue, representado por seu advogado Sharky, que se diz descendente do viking Olaf e que por direito a ele caberiam as terras desbravadas por seu antepassado na América. 




 

Um mapa leva Donald e sobrinhos à região do Labrador, no Canadá, onde supostamente Olaf teria escondido o elmo e é encontrado. Ao detentor do lendário Elmo de Ouro também será conferido o título de verdadeiro detentor das terras americanas. E então começa a disputa com Azure Blue. 
 

É uma obra típica de Carl Barks: envolve conhecimentos históricos e geográficos, aparentemente banal, mas dotada da complexidade transmitida em traços curtos e nervosos. E difícil de ser encontrada: publicada no Brasil pelas revistas Pato Donald e Mickey entre 1955 e 1957, somente foi republicada no século 21 (quase cinquenta anos depois) na série O Melhor da Disney – As Obras Completas de Carl Barks. 
 



Antes disso, porém, adquiri na saudosa Livraria Sulina no ano de 1988 uma edição especial de Barks com a história original em inglês e sem cortes. O Elmo de Ouro é uma obra grandiosa, fruto de um grande artista, que sintetiza todos os demais trabalhos: é uma fábula dotada do espírito de aventura, e que indaga a questão moral, a ambição desmedida e o castigo. 


Falar sobre Carl Barks dificilmente caberia nesta postagem ou mesmo em algum livro defenestrando sua obra (Para Ler o Pato Donald). Barks era genial porque desenhava e escrevia de maneira simples, dotada de mensagens subliminares (como sua aversão à advogados) e de conotação moral. Era completo, beirando a perfeição, mas como perfeição não existe, mesmo que involuntariamente, passou para a eternidade como aquele que quase chegou lá!



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