E deixo o registro de um dos melhores momentos de 2011: o show de Ringo Starr e sua All-Stars Band em Porto Alegre, em novembro passado.
Um abraço e felicidades a todos!
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Quem me falou da mboi-guaçu foi Sebastiana Gonçalves de Oliveira, mestiça guarani, 97 anos de idade, que em julho de 1951 ainda morava em seu rancho perto das ruínas de São Miguel, ex-capital das Missões.
Falou assim: “Já vejo que o senhor é um moço de tino. Outros muitos vêm por aqui, olham a igreja, sobem na torre, descem na escada escondida, mas não têm olhos para enxergar aquela massa preta, hoje dura que nem pedra, que escorreu do alto da escada. Mas o senhor não: viu. Viu e perguntou. Perguntou e eu conto. Se fosse para outro, não contava."
“Pois quando eu era pequena, minha mãe sempre me falava de coisas lindas do tempo em que São Miguel era cidade grande, com muita gente vivendo por aqui. Descrevia as procissões, as danças, os trabalhos de puxirão, a colheita de erva-mate com festas bonitas. Coisas que ela nunca viu, mas que ouviu dizer pela mãe dela, que era do tempo dos padres."
“Mas minha mãe contava que, quando os padres foram corridos, tudo isto se parou mui triste e abandonado. Quase todos os homens tinham sido recrutados para as guerras, de quando em quando apareciam soldados para reculutar também os guris já mais grandotes, e nas casas junto da igreja só tinham ficados as mulheres, com as crianças pequenas e um que outro velho já quase sem serventia. Entre a criançada estava a mãe da minha mãe, que é quem sabia do causo."
“Aqueles tempos foram mui brabos, porque era só femeeiro que vivia em São Miguel. Caçar, mulher não sabe. Laçar gado, também não. Cuidar da lavoura até a colheita, sim. Mas derrubar mato e escorraçar os tigres e outros bichos malevas, também não. Sem derrubar mato, plantação não tem. E em vez do mato ser vencido, foi ele quem foi vencendo: invadiu cidade adentro, entrou pelos restos de rua, subiu pelas paredes dos ranchos, foi botando tudo abaixo."
Então, buscando resguardo, as chinas levaram seus trastes, seus filhos, seus bichos de criação, para o interior da igreja. E todas ficaram morando lá, pensando que o mato nunca poderia bandear as paredes de São Miguel, que eram da largura dos braços abertos de um homem. Pensaram certo: pois o mato foi chegando, foi chegando, e ali parou"
"Durante o dia, as mulheres levavam seus filhos e os animais para os restos de lavoura, e ali ficavam trabalhando, ali comiam, ali descansavam o corpo quando a canseira era muita. E antes que noite descesse elas voltavam para a igreja, acendendo na porta um fogo grande. Tigre tem medo do fogo e assim não podia entrar."
"Não podia, mas tentava. Noite alta, era aquele desatino, das feras tenteando um jeito. Dentro da igreja, os cavalos sentiam o cheiro e, abrindo as ventas, farejando fundo, buscavam resguardo uns nos outros, uma hora arrodeando, outra hora se apertando, e já para o fim – tomados de medo e loucura – coiceando uns aos outros, cravando-se os dentes, rinchando de dor ou relinchando de fúria. Em torno, sem atinar com o perigo, uma que outra tambeira mugia triste, negando o leite aos terneiros.
Das torres abandonadas, desprendiam-se morcegos e, envoltos na confusão da tropilha, podiam saciar sua sede e fome com o sangue quente das desguaritadas crias. E ali, vendo tudo, olhos arregalados de medo, coração na boca, ali se encolhiam as chinas no fundo de seus catres, atarantadas, sem nada fazer, pois vivente mulher nunca soube lidar com os alimales, como os homens lidam. Só quando o sol apontava e os tigres iam-se embora, é que tudo serenava.
“A mboi-guaçu sempre tinha vivido no mato, sabendo que a morte a agarrava se chegasse ao campo limpo. Nunca antes, ela tinha vindo até os vargedos e lavouras, até os povos das Missões. Apenas os homens que penetravam sertão, a colher erva, é que contavam ter visto ela, com sua pele fininha e transparente deixando ver – lá nela – os bichos que comia inteiros quando a fome era mui forte. Pois então, desta feita, como o mato tivesse chegado à igreja de São Miguel, ela se veio, junto. E quando o mato, se agarrando em cipós, trepou parede acima, ela trepou também."
“Com a chegada da cobra grande, os morcegos e até os tigres fugiram de São Miguel. E depois deles, sem se poder atacar, fugiram também os cavalos e as tambeiras. Só ficaram ali as chinas com suas crias, embora tivessem entendido que era a cobra que ali estava – escondida nalgum canto... – pois que só da mboi-guaçu todos os bichos fugiam."
“Quando o mato, chegando ao alto, vingou numa das torres da igreja, a cobra ali se aninhou, moita e paciente. No dia em que o mato descesse pra dentro da sala grande, ela haveria de descer também, para engolir, de uma bocada, as chinas desarvoradas."
“Então, mais do que nunca, a sala grande da igreja foi a arma de defesa. Se mesmo o pasto era difícil de nascer ali, naquele chão pisoteado, muito menos cresceria o matagal, casa da cobra malvada."
“Mas o pasto não cresceu, nem o mato desceu.
“E a mboi-guaçu sentiu fome.
“Sentiu fome que crescia.
“Enraiveceu!"
“Enroscada nas cordas que pendiam do alto, atirou-se a badalar os sinos. Badalava! badalava! e o grito dos sinos entrava pelos ouvidos dos viventes para bater lá dentro, lá no fundo, chicoteando os nervos, como se uma tropilha inteira pisoteasse o pensamento, machucando o coração."
“Até que uma noite uma das chinas atentou para o mistério. Era decerto a mboi-guaçu que tinha fome. E essa china, que de tanto sofrer enlouquecera, pegou seu filho nos braços e lá subiu para a torre de onde o sino chamava. Ia subindo, em desatino, os degraus de pedra bruta, e quanto mais ela subia mais o sino se animava na doideira de seus gritos. “Quem é que chama meu filho?! Quem é que chama meu filho?! Não grite mais, já cheguei!”
“E então tudo se calou...
“Dois dias então se seguiram, num silêncio ainda mais louco do que os gritos tresloucados. Até quando a cobra grande ia ficar sossegada?
“E o sino recomeçou. Primeiro calmo, num choro... depois chorando mais forte... por fim gritando de novo.
“E outra china deu seu filho para aquietar a maldita...
“Assim foi, noites e noites. As pobres chinas, coitadas, não tinham para onde ir. E os sinos de São Miguel só paravam de gritar quando no alto da escada jogavam mais um anjinho para a faminta mboi-guaçu".
“Assim foi por muito tempo."
“Mas então a cobra grande, de tanto comer carne tenra, foi inchando, inchando muito, tanto engordou que estourou. E tão grande ela se achava, que a sua graxa - muito preta - inundou a torre toda, e depois veio caindo, se esparramando, pingando, desceu do alto da escada e nos degraus se grudou."
“Esta é a história que contava minha avó guarani.”Postado por Taiguara às 08:04 0 comentários
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por Quatermass
Der Tunnel (1933) é muito mais que um filme, é uma história à parte. Baseado no best seller alemão de 1913, escrito por Bernhard Kellermann, de título homônimo, dele derivou três versões de nacionalidades distintas.
OBS: existe uma quarta versão, curiosamente seria a primeira, alemã, de 1915 (dirigida por William Wauer), mas como não a vi, fica só o registro.
Comecemos pelo ponto incontroverso: a história. Conta as peripécias na construção de um túnel que passa por debaixo do Atlântico, ligando a Europa com a América. Coisa de europeu: a obsessão por expandir horizontes, aproximando continentes, seja por ar ou pelo fundo do mar!
Agora, a questão controversa: as três versões da obra. A primeira, francesa - Le Tunnel (1933), porém dirigida por um alemão, Kurt Bernhardt, pode ser considerada a obra mais espontânea e fiel ao livro que seus derivados.
Explico: Kurt Bernhardt, antipático ao regime nazista filmou na França. Além possuírem concepções de superioridade racial, os nazistas também eram nacionalistas, e segundo sua ótica, nada mais justo fazer a versão alemã do best seller.
A forma: a GESTAPO “convidou” Bernhardt a filmar Der Tunnel (1933) em Munique. Como Hans Albers, sentiu-se um tanto quanto oprimido e, na opinião deste comentarista, esta segunda versão talvez seja a mais contida das três.
The Transatlantic Tunnel (1935) é a versão inglesa: mais extensa e dotada de cenas tecnicamente deslumbrantes; algumas, porém, arrastadas e supérfluas (tal qual F. P. 1). Segundo a crítica americana a versão alemã é a melhor. Mas como este comentarista acredita, sociologicamente falando, que meio condiciona o indivíduo, fico com a primeira!
Logo, de maneira oblíqua, analiso Der Tunnel a partir de Le Tunnel (já que o diretor é o mesmo)! Em nenhuma há um ator que desponte; o coletivo parece ser mais importante. A fotografia denota o aprimoramento que se prolongará por mais três décadas.
Não há um momento marcante (provavelmente decorrente da falta de um protagonista saliente e roteiro fraco). O heroísmo, em havendo, dilui-se entre os presentes, dispersando também a empatia.
Superior a F. P. 1 Antwortet Nicht (1932), representa uma etapa intermediária entre o melhor dos filmes de ficção do cinema mudo com os que se seguirão. Explico: em cada etapa da evolução dá-se o clímax; desse clímax, surge o novo. Este “novo” representa direção, som, cor, roteiro, fotografia, efeitos especiais, etc.
De tempos em tempos, há esta mudança, reviravolta. Da ruptura com o agora “antigo”, parte-se do princípio, quase que como uma volta de 360 graus: a reaprendizagem envolvendo uma nova geração de técnicos, diretores, roteiristas. E os anos trinta representam isso: a ruptura do cinema mudo e o aprender a falar, “reexpressando-se”. Isto envolve novas idéias, erros e acertos.
Volta a Der Tunnel/Le Tunnel/The Transatlantic Tunnel: o filme é o engatinhar da ficção com o som e isto significa a busca de diálogos antes desnecessários. Cada uma destas três obras representa uma tentativa diferente, ainda que duas sejam dirigidas pelo mesmo homem.
Este comentário não é propriamente uma análise objetiva do filme em si, mas do proceso pelo qual foi feito. As versões que assisti despertaram neste comentarista um rompante "paranormal" já dito à Thintosecco: por vezes parece que assisto fantasmas.
Tão ruim é a cópia inglesa que a tela parece ser um portal dimensional para o passado: onde se vislumbra uma geração morta e esquecida; de atores, por vezes geniais, cujos gestos ficam imortalizados em celulóide. Dá arrepios até: se o Tiranossauro Rex de Jurassic Park é escrachadamente um efeito gráfico, mais me impressiona são os seres ainda encarnados em vídeo!
Postado por Taiguara às 21:37 0 comentários
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Postado por Taiguara às 22:08 0 comentários
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Postado por Taiguara às 08:16 0 comentários
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