Agora que em Porto Alegre está prestes a realizar sua anual Feira do Livro (esta postagem foi escrita em 25.10.2008), cuja primeira edição foi em 1955, volto-me também para o passado. Quando era estudante de pré-vestibular lá por 1980, fui duplamente iniciado. Primeiro, em conhecer um dos mais tradicionais “sebos” de POA, a Livraria Aurora. Lá estavam o proprietário, o saudoso Sétimo Luizelli e o Luiz, velho amigo e com quem troco prosa sempre que possível (só que agora em outro sebo). Havia, e ainda há, alguns hábitos destes livreiros com quem aprendi a dominar.
Asqueirosamente falando, identifico no papel diferentes tipos de manchas e marcas : mofo, umidade, cocô de mosca/mosquito/barata e a passagem de traças e brocas. Dupla solução para eliminar manchas: cortar com a guilhotina nas áreas afetadas ou pacientemente passar uma lixa d’água bem fina.
Quando a edição é rara, porém, com a capa praticamente destruída, novamente procura-se uma gráfica para encaderná-la, praticamente deixando em condição de novo (é óbvio que importa num acréscimo de seu valor).
Sempre dava uma escapada, seja antes, durante ou depois do cursinho e ia lá na loja. Movimentada, havia um atendimento contínuo dos dois, porém extremamente profissional: demonstravam grande conhecimento sobre editor, autor, título, ano da edição, disponibilidade – sem qualquer socorro junto a algum terminal de computador.
Sabiam aonde estavam e o que faziam. Se não possuíam determinada obra, recomendavam então ao cliente que fosse no “concorrente” (concorrente este, que, apesar de também ser tradicional, tinha o triste hábito de despender atenção à turma do “lero” da terceira idade e de desconsiderar qualquer um com menos de trinta anos). Em suma, passei a me sentir em casa.
Agora, a segunda iniciação: a Feira do Livro. Toda a vez que comento a Feira, já começo a sentir o peso de meus quarenta e quatro anos: a de achar que antigamente era melhor que a dos dias de hoje. Mas há um fundo de razão. Antes, a Feira do Livro de Porto Alegre agregava livrarias; hoje, também editoras. Resultado: houve um excessivo acréscimo de bancas, com livrarias disputando com editores, cujos livros são os mesmos, mesmos lançamentos e mesmos preços.
Só que o público cresceu também e simplesmente trafegar pela Praça da Alfândega nos fins de semana durante a primeira quinzena de novembro, além de ser um teste de coragem, exige paciência. As pessoas, ora visitam a feira para conhecê-la, apenas para tomar uma cerveja ou até mesmo comprar algum livro – e isto, sem exagero - numa maré de gente, que vaga feito correnteza de um rio.
Mas em 1980 havia ainda certa tranqüilidade na praça, exceto pelo afoito adolescente que inicialmente visitava banca por banca, no afã de descobrir algo novo. E com certeza havia, em razão da menor concorrência. Até que de tantas vezes seguidas cobrar do livreiro acerca de determinada obra o cara me respondeu: “ô guri, se tá a fim do livro, passa na livraria que te dão o mesmo desconto!” Fiquei chocado, afinal achava em minha santa ignorância que o desconto de 20% era concedido apenas naquele local. Fui na livraria e constatei que era isto mesmo! Que bom, pensei.
Mas não tem a mesma graça! O charme estava justamente na Praça da Alfândega e lá continuei seguidas vezes durante a década de oitenta, quando progressivamente, o evento foi inchando, inchando, inchando, até se transformar no Frankenstein que é hoje.
Resumindo: se quero comprar livro com desconto, hoje em dia vou direto à livraria; se quiser curtir um pouco do clima dos anos oitenta, dirijo-me com meus filhos no setor infantil, que agora virou anexo, junto ao cais do porto, do outro lado da Avenida Mauá. Se agora não vejo as bancas embaixo dos Ipês, pelo menos vislumbro o pôr do sol do Guaíba em meio a uma gurizada empolgada.
E quanto aos sebos? Bom, estes são meus relax diários – sempre que posso fujo da rotina estressante do trabalho, para jogar conversa fora com aqueles livreiros, que te conhecem pelo nome e dominam como ninguém a arte de preservar a memória escrita.