terça-feira, 13 de maio de 2008

CAMINHANDO NAS NUVENS


por Quatermass


Conceitos são conceitos, idéias são idéias, cada um pensa de um jeito.

O que é a família? Bah! É complexo! Mas vamos lá! Família é uma prisão, família é uma gaiola, família é uma arapuca. Sei que não pedimos para nascer (apesar do espiritismo entender o contrário), mas, no momento em que fatalmente isto acontece, nos vinculamos a determinado grupo de pessoas, muitas vezes nada a ver, outras tudo. Mas família o que? Pai, mãe, irmãos, tios, primos, etc? Também. A cara-metade e nossos descendentes, também! Só o eu e o outro? Também! Só o eu? Também! Por que? Porque quando pensamos que saímos da casa de nossos pais e partimos para uma vida independente, achamos que deixamos para trás a vigilância, o controle, a prestação de contas, a lembrança daqueles que vieram antes e depois de nós, aqueles que suportamos pelo acaso. Mas que novo paraíso terrestre é este? A vida conjugal, a vida de solteiro, a vida de pai/mãe solteiros, de viúvos, de descasados, etc.



E a sonhada liberdade? Liberdade?
Que liberdade? Nunca fomos livres! Nossa gaiola sempre foi dourada, nunca percebemos, mas estamos sempre dentro dela. Exemplo: o fim de um relacionamento e o início de outro. Onde está o fim da prisão e o início da liberdade? Não há transição porque nunca houve liberdade. Somos prisioneiros de nossa própria existência, melhor dizendo, contingência. A gaiola não muda, o que muda é o carcereiro! Vida de solteiro é liberdade? A emocionante vida do “eu”? Nada mais é senão uma situação de expectativa, ainda vinculado ao algoz anterior, e às vezes morremos esperando a chegada do novo!




Caminhando nas Nuvens (A Walk in the Clouds – 1995) nos mostra Paul Sutton (Keanu Reeves) aceitando participar de uma simulação: a de que é o marido da jovem Victoria Aragón (Aitana Sánchez-Gijón) e pai da criança que está em seu ventre. Seu relacionamento anterior foi frustrante, daqueles que o cara toma um porre de noite e acorda casado na manhã seguinte. A família de sua falsa-esposa é de origem mexicana, tradicional, produtora de vinhos de uma fazenda na Califórnia. É bem recebido por todos, exceto pelo enciumado pai da moça. Mas o que chama a atenção é a figura do patriarca, o avô Don Pedro Aragón (Anthony Quinn), de esplêndida atuação, que percebe desde o primeiro momento a fraude, mas que vê no ato do rapaz um ato de coragem e de mudança.



Mudança? Para sua família. Faz de tudo para inseri-lo. Nosso indeciso falso pai-marido hesita. Por que? Porque pensa ainda estar formalmente vinculado ao antigo relacionamento amoroso, portanto, não está disponível, apesar de cada vez mais apaixonado por Victoria. Eis nossa velha e boa gaiola e eis nosso carcereiro. Este é um dos primeiros posts que falo sobre romance e peço desculpas por ser tão cru e anti-romântico, mas o filme de Alfonso Arau, ao contrário, é delicado, inteligente e fascinante. É subliminarmente e perigosamente belo.



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