Muitas vezes somos induzidos a gostar de algo / alguma coisa, voluntária ou involuntariamente. Em outras, acontece incidentalmente; raramente descobrimos por sí. Sempre gostei de história. Assistia filmes de guerra, porque em parte reconstituíam (a grosso modo) o evento. Mas, como já disse em outras ocasiões, reconstituição histórica/filmes de guerra / verossimilhança não andam necessariamente juntos. Nos documentários já não é assim: os fatos e imagens quando não são reprisados são reconstituídos.
No início de 1975, lá estava eu com onze aninhos e assistindo as sessões da tarde, quando passou uma chamada na Globo. Era sobre um documentário da Segunda Guerra Mundial de vários capítulos, narrados e apresentados por Valmor Chagas para as noites de sexta-feira, depois da novela das oito. Até aí tudo bem! Mas gozado, já na época fiquei intrigado: por que a Globo exibiria logo um documentário no horário nobre, quando desde aqueles tempos o seu forte nunca foi este? Já montava meus “aviõezinhos de plástico” e guardava os prospectos com a história do modelo. Nada mais natural então assistir o contexto.
Terminada a novela (que nunca me interessei em saber o nome), começou o programa. E que programa! Valmor Chagas introduzia cada episódio, que por sua vez dedicava-se a um determinado assunto: Batalha da Inglaterra, Guerra no Deserto, Guerra Submarina, etc. Depois, seguia narrando. Um destes episódios me chamou a atenção, não pelas imagens, mas pela força da própria narrativa. Senti que algo impelia Valmor Chagas. Foi no episódio de Stalingrado. Lembro-me até hoje: fiquei impressionado com a diversidade de narrativas, a alternação precisa entre relatos e análise histórica. Mas era guri e nesta idade qualquer coisa impressiona. Mas não foi assim!
Quase vinte anos depois, o Canal GNT apresentou o original do documentário exibido pela Globo: The World at War, premiado seriado inglês de vinte e poucos episódios produzidos pela Thames em 1974. Um dos momentos mais aguardados de minha vida: o velho documentário de volta e desta vez com um videocassete a sua espera! E comecei a assistir, com um gosto de novidade. Volta e meia me vinham as lembranças de criança: a expectativa, as vezes que não pude assistir por este ou aquele motivo e os momentos que não desgrudava da televisão. Só que havia um aspecto novo: não era dublado, era legendado! Mais, com uma voz que emprestava uma grandeza narrativa indescritível: a de Laurence Olivier.
Foi o maior ator britânico, o maior intérprete de Shakespiere, que entre outras láureas foi lhe conferido título de Sir. Nada mais justo! Aguardei o episódio de Stalingrado, agora na versão original e lá encontrei o motivo que Valmor Chagas teve que desdobrar tanto! O homem é um monstro: Sir Laurence conseguiu diversificar e alternar tanto a narrativa que sua presença física torna-se desnecessária. O assunto em si já é dramático: o ataque alemão à cidade soviética a beira do Rio Volga, a resistência e o contra-ataque. Mas sua voz confere tanta veracidade quanto os fatos: ora calma, ora nervosa, ora amargurada, ora séria, ora relata, ora descreve as cartas escritas por soldados, ora analisa friamente, ora se aproxima, ora se afasta. Sempre admirei este inglês e vou continuar a fazê-lo, porque poucos atores (se é que dá para delimitá-lo como tal) alcançaram um grau de perfeição a ponto de seu talento ficar eternizado em “off”.