quinta-feira, 17 de outubro de 2024

AURORA

 
 
 

 
por ARTHUR
 
 
 
Interessante como tempos atrás comentava com o Taiguara acerca da Aurora, sua trajetória e a inevitável rota de colisão que levou ao contato imediato. Digo interessante porque li, não muito depois, que a livraria estava encerrando suas atividades. Triste, muito triste: outra livraria a menos na cidade. Isso que, nos anos setenta e oitenta, este geek que vos fala conheceu as extintas Sulina, Lima, Mercado Aberto, Porto, Siciliano, Província, Planeta Proibido; também o sebo do Adeli Sell no Viaduto da Borges e de seu concorrente ao lado. Sem falar nas lojinhas na Riachuelo.
 
 
  

Mas era marcante a Aurora por um motivo: o livreiro.

Tive a honra de conhecer o senhor Sétimo Luizelli. O ano era 1980, já conhecia a Aurora de ouvir falar, mas faltava a oportunidade. Então, já no terceiro ano do ensino médio, fiz cursinho no Centro e minha chance surgiu. Elaborei minha rota de fuga: saía do colégio ao meio-dia e de lá ia direto pro Centro. Descida do ônibus, e subia a Marechal Floriano até a esquina com a Duque de Caxias. Lá entrei numa loja de três pisos, lotada de livros e revistas. Meus olhos se esbugalharam! Fui direto para o canto da História, atônito. Interessante que os gêneros literários nunca mudavam de lugar: até um cego chegaria lá.
 
 
 
 

 
O seu Sétimo era diferente dos demais livreiros: participou desde a 1ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 1955. E no ano seguinte, abriu a Aurora, no mesmo ponto. Juntamente com o Luiz, conhecia todo o acervo, bastando dizer o título ou seu autor; caso não tivesse, recomendava o "concorrente", o FDP do Martins Livreiro. Atenda sempre com educação e seriedade, mas a esclerose já estava batendo desde o início: sempre que ingressava na loja perguntava: "o que o senhor quer"? Segundos depois, dizia: "ah, o senhor é o amigo do Luiz, pode entrar". O entrar significava que podia ingressar em toda a loja, me sentar no chão, na escada, no banquinho e garimpar. E como é bom o garimpo: simplesmente porque não se sabe o que pode encontrar.
 
 

 
 
Perguntava ao cliente e o deixava a vontade para procurar: não ficava em volta, que nem mosquinha. Já o Luiz, foi diferente: quando não atendia outra pessoa, ficava em volta, dando referências e comentando livros. Cara! Era inacreditável: simplesmente assistia-se gratuitamente como bem atender o cliente e como se apaixonar pelos livros. Foi uma dupla fiel e leal até o fim. Não que não houvessem outros funcionários, mas o tempo passava e somente o dois permaneciam. 
 
 

 

Além da citada dupla, havia o filho: Eduardo. Há uns três anos atrás me indignei com uma reportagem da Zero Hora (e acho que replicada digitalmente), aclamando o Eduardo Luizelli como o maior livreiro de Porto Alegre. "Façam-me o favor!" Vou então contar uma história poucas vezes mencionada mundo afora: o fim e o ressurgimento da Livraria Aurora.


Desde 1980, o seu Sétimo tinha a intenção de expandir seu negócio, abrindo filiais. O velhinho tinha tino comercial nato. Já tinha uma papelaria na Duque, defronte o Sevigné, e pretendia abrir outra livraria nos fundos da matriz. Nunca chegou a abrir a loja da Duque, mas abriu outras duas na Marechal Floriano já em 1983 (inclusive uma loja bem perto da antiga CRT) e uma nos altos da Ruachuelo (e tinha uma cafeteria dentro).
 

Já em 1988 resolveu se aposentar e deixar os negócios para o filho. Este porém, tinha aspiração em ser corretor de imóveis, e repassou para a esposa. Esta, terceirizou para um gerente, um administrador, um sujeito barbudo, mal encarado, burro e grosso. Resultado? Começou a sumir dinheiro do caixa, estoque e por aí vai. Em 1992 a coisa degringolou de vez: fecharam todas as lojas, inclusive a matriz. Nunca vou esquecer esse período, quando visitava o Luiz num depósito alugado para guardar os livros das lojas que fecharam; hoje é um terreno que serve de estacionamento. Era pura penúria: o Luiz ganhava como aposentado, mas fazia bico na Aurora; ele e mais ninguém, pois mal pagavam o almoço.
 
 
 



Mas, na virada dos anos 1994/1995, um milagre aconteceu:  o seu Sétimo volta da aposentadoria e reabre a loja da Marechal Floriano (o único imóvel particular). Daí que, voltando, voltou a velha freguesia: e o velho quitou as dívidas contraídas pela parentada. 

Como estava indo tudo bem, voltou também o Eduardo, uma vez que sua corretora faliu! Uma observação: o fato de ser parente, filho, ou o que for não significa que seus dons e aptidões migrem automaticamente para o descendente. Realmente, o Eduardo tinha problemas de comunicação com o publico! Conhecia livros e editoras, mas não gostava do que fazia: podiam ser beterrabas, roupas velhas e trastes, seria tudo igual. O "ex-corretor" livreiro que não gostava de livros. Aos poucos, fui migrando para o Beco dos Livros, duas lojas dirigidas por pai e filho, mas neste caso, há sintonia. Porra! Nesse ramo, tem que gostar da coisa! O mesmo com quadrinhos, discos... 


Mas o tempo chegou ao fim para o Sétimo Luizelli: em 1999 ele falece, e o Luiz sai da Aurora e vai para o Beco. Fiquei feliz com a mudança: outro sebo legal e um senhor de setenta e poucos anos com espírito de 15. Já se passaram mais de quarenta anos desde a primeira vez que pus os pés num sebo e sinto o peso dos tempos.
 

Outra coisa que aprendi com a vida: só notamos o passar do tempo quando nossas referências desaparecem. E assim está acontecendo: o Eduardo morreu de leucemia em 2021; o Luiz, afastado há cinco anos do Beco, por problemas ortopédicos, veio à falecer por causas naturais no interior; e agora a notícia do encerramento das atividades da Livraria Aurora. 
 
 
Mais uma página que se encerra na vida de um nerd, mas tive o privilégio de conhecer o maior livreiro de POA, talvez do Brasil.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

ERRADO PRA CACHORRO (1963)


 

 

POR ARTHUR

 

Antes de vir com os "causos" de minha juventude, passo a postar, na minha opinião, sobre um dos melhores filmes de Jerry Lewis: ERRADO PRA CACHORRO, de 1963. Curiosamente, na fase imediatamente anterior ao ostracismo que se seguiria. 


Acho que muito do talento de JL deve-se também ao diretor. Não me refiro a ele próprio, já que está longe de ser um Chaplin, mas ao discreto Frank Tashlin

 


 

Nunca soube bem a razão, mas nos filmes de FT, Jerry Lewis interpretava seu personagem favorito, o ingênuo, de maneira mais natural e menos forçada; era mais divertido, leve, e menos dramático.

 

Talvez, por querer igualar à Chaplin, os filmes de Jerry Lewis tenham caído numa espiral decrescente após. Só que Chaplin não é Lewis, nunca precisou forçar a barra.

 

Num dos melhores momentos do filme e de sua carreira, a cena da máquina de escrever. É, na minha opinião o ápice da dupla Lewis e Tashlin. 

 





Mais que a saída de Dean Martin, a teimosia de Lewis em seguir dirigindo talvez fosse a causa de seu declínio. 


Este filme faz parte da minha quadrilogia favorita, juntamente com Artista e Modelos (1955), O Rei dos Mágicos (1958) e Bancando a Ama-Seca (1958).

 

Mas vamos curtir um pouco de seu talento. É um filme para quem ainda quer acreditar que existe inocência e pureza.

 

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

O CLONE

 
 
por ARTHUR
 
 
Se me perguntassem se gosto de novelas da Globo, responderia: uma meia dúzia. Nem vou entrar no campo ideológico para espinafrar a tal rede de televisão. Mas algumas foram realmente boas. 
 
Sempre tive uma queda por aquelas que apresentavam o aspecto interiorano e pitoresco: O Bem Amado (1973), Saramandaia (1976), Roque Santeiro (1985/86), Tieta (1989/1990). Eram baseados em livros de Dias Gomes e Jorge Amado, de inquestionável valor.
 
Mas ainda havia uma que se distinguia das demais: O Clone (2001), de Glória Perez. Essa escritora nunca havia me fascinado: tenho ela como o Oliver Stone da dramaturgia, ou seja, buscava chamar a atenção para "questionamentos" duvidosos, e gerar polêmica pela polêmica. Mas essa novela em especial tinha uma produção esmerada, ótimos atores, e uma história pra lá de estranha.
 
 

 
 
 
Mas, como nos filmes e séries, também me atraiu o fato de possuir uma belíssima trilha sonora composta por Marcus Viana. Assistam e ouçam um pouco esses vídeos abaixo e concluam se não tenho razão.
 
 

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