por Quatermass
Toda vez que comento com alguém como foi o início da locação de fitas VHS me sinto como um velho contador de histórias, um Pantaleão, ou alguém tentando passar uma conversa!
Mas é sério! Foi assim: “Era uma vez...” um sujeito que ganhou de aniversário um videocassete Sharp, o VC-8510, lá no longínquo ano de 1982. Ganhei porque, de tão caro na época, só pedindo pro “papito”.
E as fitas BASF, importadas da Alemanha, custavam 1/10 do valor do aparelho ! Coisa de pequeno burguês, vão pensar ! Aí penso eu: se gosto de filmes, nada mais justo tê-los.
Num primeiro momento, via TV – que, na época, a de sinal aberto ainda mantinha uma ótima programação. Depois, via locadora de vídeo. E é neste momento que a coisa parece fugir da realidade e ingressar no mundo da ficção !
Quando foi adquirido o desejado aparelho, de brinde acompanhava um técnico para instalá-lo: F-A-N-T-Á-S-T-I-C-O ! Incrível, né? Alguém para ligar o cabo na entrada da antena no videocassete e outro do aparelho para o televisor !
E esse cara já vinha com a dica de uma locadora para que a vítima lá se associasse. Além do cadastro, o bem intencionado locatário deveria deixar uma JÓIA em garantia (falei J-Ó-I-A) – óbvio: vá que alguém retirasse uma inestimável fita pirateada e não a devolvesse mais !!!
E por falar em pirataria, essa já era a regra. Se hoje dizem por aí que DVD pirata estraga o player, agora imagine uma fita vagabunda, com imagem sofrível, legenda medonha, mal traduzida, e de tão suja que toda hora tinham que ser limpos os cabeçotes.
Não é mentira, até já contei essa pro Thintosecco ! Certa vez loquei Mad Max 2 com uma legenda peculiar: quando o fundo era claro, os caracteres eram pretos e se mudasse passava para o branco !!! Legendinha em amarelo? Luxo! A tradução era mais cômica que a dublagem mal feita do primeiro Jornada nas Estrelas.
Cômicos também eram os estabelecimentos comerciais destinados à locação: uns tinham fichários com sinopses do filmes; em outros, as fitas eram simplesmente espalhadas pela loja sem critério algum – até pelo chão! Algumas cobravam adiantado, em outras pendurava-se.
Mas uma das coisas mais irritantes para o cliente ouvir e receita certa para a quebra deste tipo de negócio era quando o atendente dizia “o filme está na rua” – traduzindo: é lançamento, só há uma fita, já tem fila de espera e tu és o trouxa que ficará para o final!
Mas nos anos oitenta havia mais emoção em alguns aspectos, diferente do que é hoje. Se a quarta versão de Indiana Jones é anunciada para o dia 03 de outubro, todas as lojas passarão a comercializar a partir desta data. Os anos oitenta eram diferentes não apenas pelo reinado da pirataria. Havia uma baderna quanto aos lançamentos: as locadoras publicavam anúncios nos classificados de jornais noticiando a chegada deste ou aquele filme.
Em suma: o acervo de uma locadora era completamente distinto da outra, pois os fornecedores vinham de toda parte. Dificilmente existiam dois filmes pirateados iguais: podia-se encontrar qualquer versão do Dr. Quatermass numa ou um clássico esquecido em outra, mas nunca os dois.
Em 1988, com a imposição da fita legalizada e o recolhimento das copias, houve um aumento significativo de qualidade do produto, mas representou também o fechamento de muitos estabelecimentos que ganhavam dinheiro rápido e fácil gastando pouco.
Algumas locadoras permanecem ainda funcionando desde os anos oitenta – eu, por exemplo, sou associado de uma no bairro Bom Fim há 21 anos. Surgida em dezembro de 1986, em janeiro de 1987 ela anunciou o recebimento de Aliens - O Resgate. Resultado: fui lá e em associei. Hoje é uma das grandes sem pertencer às Blockbusters, mas que soube se adaptar e crescer frente às mudanças e novidades tecnológicas.
Mesmo que hoje em dia ainda prefira o disco em vinil ao CD, um dia aposentarei definitivamente o videocassete, mas será muito antes do meu toca discos!
Postado originalmente em 06.10.2008.