sábado, 27 de julho de 2013

QUEM VINGA O FUTURO?








por Quatermass



Wow! Wow! Wow! Poucos filmes empregaram a ideia original de uma obra literária e fizeram releituras tão diversas como Total Recall, melhor dizendo, O Vingador do Futuro. Mais gritante ainda foi a diferente releitura do segundo filme para com o primeiro. 


O paranoico escritor Philip K. Dick, (1928-1982) concebeu "We Can Remember It For You Wholesale" em 1966; Hollywood reescreveu como Total Recall. O escritor americano, que sempre questionava a supremacia do Estado na vida do indivíduo (tal como George Orwell, em 1984) deve, do além, ter se decepcionado com ambas as histórias.




Por sua vez, dizem que Orwell (1903-1950), retornou à Inglaterra decepcionado da Guerra Civil Espanhola, diante do testemunho da divisão, mutua desconfiança e assassinatos entre os republicanos (dos anarquistas, que não confiavam nos comunistas, que não confiavam nos socialistas, que não confiavam nos sociais democratas e liberais, e todos estes desconfiavam das Brigadas Internacionais, que o brilhante, porém idealista escritor integrou).



 


O sonho socialista se desfez diante da brutal racionalidade humana. Ao repudiar um Estado totalitário aos moldes Fascista/Ditadura do Proletariado, escreveu a obra 1984. Nela, o Big Brother, ou Grande Irmão seria o chefe supremo e inquestionável; aos cidadãos caberiam os rótulo de traidores, suspeitos de primeira hora e, aos intelectuais rebeldes, a alcunha de elementos pouco confiáveis e merecedores de total controle e exclusão. Morreu jovem, angustiado e decepcionado com as distorcidas ideologias que vingaram no início do século vinte. 


  


Philip K. Dick desconfiava da intromissão do Estado capitalista na vida diária do cidadão, via controle absoluto e permanente. O governo americano seria uma versão social democrata brutal e distorcida do nazi-fascismo. A segregação racial ianque equivaleria à alemã. Os bairros pobres aos guetos. O cidadão seria a massa a ser manipulada via propaganda de consumo desenfreado. A fuga encontrada por Dick foi pelas drogas.  Pelas drogas o ser humano encontraria total liberdade, onde o Big Brother não teria vez (e também através delas encontrou inspiração literária). 


Mas em seus devaneios visualizou um futuro pessimista e abjeto - como em Blade Runner, aliás, Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968); ou através de implantes mentais onde a pessoa passaria a ser protagonista de seus sonhos e aspirações de liberdade ou agente (herói) modificador da história – em suma um meio de fuga e esconderijo ao mesmo tempo. Neste segundo aspecto chegamos a Total Recall. 







Dois filmes foram produzidos com base no conto de Philip K. Dick: o primeiro de 1990 e o segundo de 2012. E agora, internauta, é que terminamos a parte chata de interpretação pseudointelectual e passamos para o escracho. Sinceramente falando, a ideia original de confundir o protagonista entre a realidade e o sonho é muito boa. Só que as duas obras cinematográficas alcançaram diferentes níveis de resultados. 


De cara já digo que nenhum dos dois filmes se sobressai; a preocupação em criar situações de ação constante sobrepõe qualquer questionamento que sequer exijam a intervenção “do tico e do teco”.


Os dois solitários neurônios podem ficar sentados confortavelmente comendo pipoca e tomar seu refrigerante e ainda sairão do cinema completamente relaxados. O triste é que o espectador pensou ter assistido uma obra baseada num renomado escritor e com isto seu dinheiro foi bem empregado. Ledo engano!







Vamos aos filmes: a primeira produção de 1990 foi dirigida pelo Paul Verhoeven e estrelada por Arnold Schwarzenegger. Douglas Quaid é um pacato e tímido trabalhador que sonha constantemente com uma bela morena em Marte (Melina, aliás, Rachel Ticotin). Entediado e bombardeado por propagandas, aspira viver uma realidade virtual como um super agente, via inserções realizadas pela empresa Rekall. A fuga da realidade de Dick substitui a droga pela máquina.


Quase imediatamente tudo dá errado para Quaid: passa a ser perseguido sem saber o porquê. Sua esposa, Lori (Sharon Stone), é um agente cuja única missão é vigiar Quaid. Nosso herói descobre que na verdade Quaid não é Quaid e sim Hauser e que deve partir imediatamente para Marte procurar Kuato, líder mutante de um grupo de insurgentes. 










Ao encontrar Kuato, Quaid percebe tardiamente que fora seguido pelas forças do todo poderoso Coohagen. Kuato é eliminado e Quaid descobre que, além do fato de que “ele não é ele” e que “Hauser é do mal”, o seu papel foi de servir de chamariz para atrair e eliminar os opositores de Coohagen. 


Mas Quaid nega sua verdadeira identidade e prefere ser a criatura e não mais o criador: vira-se contra Coohagen; inclusive, descobre segredos alienígenas, restabelecendo a atmosfera marciana e, por fim, fica com Melina. 








A segunda versão, agora sob a ótica de Len Wiseman, não tem Marte como pano de fundo e sim os dois extremos da Terra. De um lado a Europa ou a Federal Unida da Bretanha e do outro a Austrália, chamada A Colônia. Para encurtar a distância os dois continentes são interligados por um túnel que corta o centro da Terra, conhecido como “a fenda”. Se antes Marte era a colônia da Terra, a Austrália volta a ser colônia da Inglaterra.



Douglas Quaid (Collin Farrell) volta a ter seus sonhos com Melina (Jessica Biel). No papel de Lori está Kate Beckinsale; no  lugar de Kuato, agora é um líder não mutante chamado Mathias. Quaid continua preferir ser ele mesmo e fica com Melina; Mathias tem o mesmo fim de Kuato; Coohagen também vai para o beleléu e Hauser (o Quaid do mal) nunca mais voltou (de novo).


Estas duas sínteses muito simplórias dizem o quê? Que ambas as versões são ridículas: de um lado o brutamontes Schwarzenegger tentando parecer frágil e inseguro; de outro o frágil e inseguro Collin Farrell tentando parecer durão e bom de briga. A Sharon Stone está muito mais convincente como a cínica Lori que a exagerada Kate Beckinsale, aliás, esta última está mais para lutadora de Ultimate Fighter do que a megera que deveria ser. 








A mensagem de Philip K. Dick, apesar de cristalina, não soube ser transmitida na tela: a fuga da realidade através de viagens virtuais e a percepção de que o valor do ser humano se dá por seus atos contemporâneos e do fardo que deles acarreta (que, por sinal, é justamente isto que Mathias diz a Quaid pouco antes de morrer). 


E o pior: em momento algum o expectador realmente acredita que Quaid está vivenciando uma ilusão. Paul Verhoeven bem que tentou, mas tendo Arnold Schwarzenegger como protagonista, dificilmente algum mané vai acreditar que é indefeso, inocente e bom ator.


Na versão de Len Wiseman a atenção dispensada a Lori (esposa do diretor) chega às raias do exagero: excesso de pauleira, excesso de diálogos descartáveis e presença em demasia, que retira qualquer veracidade àquilo que o roteiro tenta induzir. 


Equívoco seria a palavra certa para definir tal estado de coisas: equívoco na escolha do elenco, atuação equivocada de atores nos papéis principais e roteiros “fast forward” acabam com qualquer boa vontade do cinéfilo. Disso tudo apenas Brian Cranston e Ronny Cox convencem como Coohagen. Mas simpatizar pelo vilão por falta de opção é distorcer por demais a história e daí que, quem sabe daqui a alguns anos, um novo diretor saiba conduzir melhor uma obra à altura de Philip K. Dick. 





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