terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O CANGACEIRO


por Quatermass

Por que os filmes do cinema nacional têm de ser lembrados sempre por cinco estereótipos? As chanchadas da Atlântida nos anos quarenta e cinqüenta; as “geniais” obras do diretor Glauber Rocha nos anos sessenta e setenta; as pornochanchadas de David Cardoso nos anos setenta; os ingênuos (Garota Dourada - 1984) ou escatológicos (O Beijo da Mulher Aranha - 1985) filmes dos anos oitenta; e filmes já dos anos noventa e dois mil, com diretores e atores da Globo, que mais parecem novela das oito em tela grande? Mais, por que as trilhas sonoras têm de ser compostas com melodia e letra (do tipo Chico, Caetano e Gil) - um fundo meramente orquestrado não basta? Resposta: porque nossa crítica cinéfila, nossos diretores, escritores, nossa vanguarda intelectual, são produtos dos tempos da ditadura militar. É piada? Tristemente não é. Se fugir destes padrões a obra cai no ostracismo ou é rotulado. Um exemplo: Glauber Rocha. Segundo os intelectuais que gostam de comentar filmes, Glauber é um gênio. Algum dos internautas já viu um filme dele? Eu já. Seus filmes são quase como se filmados por amadores em vídeos caseiros. Seus personagens não sabem quem são, o que fazem, nem onde estão. Não se situam política e geograficamente. É uma confusão de idéias, de discursos pseudo-ideologizados e imagens mal editadas. Mas este estado de coisas significa contestação, a não sujeição aos modelos político, econômico, social e cultural impostos por Washington e principalmente por Hollywood.






Confesso, nasci em novembro de 1963, alguns meses antes do Golpe de 1964, logo também sou filho da ditadura. Mas necessariamente tem que se seguir e aceitar este estúpido padrão? Também não. Mas os filmes de Glauber seguem e nossa crítica aceita. É como uma obra abstrata em que o artista deixa ao critério do cidadão comum tirar suas conclusões. Só que em cinema quem pensa por nós é a crítica. Daí vem “os geniais filmes de Glauber Rocha”, ou seja, somos reféns da ditadura da crítica. Não me esqueço de uma cena de Terra em Transe (1967) com o saudoso Paulo Autran empunhando uma pistola alemã da segunda guerra e dizendo coisas sem nexo. Poderia até interpretar da seguinte maneira (sem o amparo de um crítico, óbvio): um burguês fascista empunhando uma pistola nazista, logo, foi filmada por um diretor que faz apologia ao fascismo (porque, no fundo, todo discurso nazi/fascista também é sem nexo)! Segundo alguns isto é genialidade, pois foge às convenções. Mas também não deixa de ser uma convenção a subversão de valores. Quantos diretores e obras cinematográficas continuam esquecidos justamente por não se encaixarem neste ou nos demais estereótipos citados inicialmente? José Mojica Marins (o Zé do Caixão) faz mais sucesso lá fora que aqui! E digo mais, seus textos são mais interessantes que os de Glauber! O Pagador de Promessas, o Assalto ao Trem Pagador e o Cangaceiro são, por assim dizer, sobreviventes desta ditadura. Sim, porque ousaram manter um modelo convencional, sobre temas tupiniquins, mas sem incorrer nos padrões histéricos do trinômio genialidade-bestialidade-mediocridade. O mérito destas verdadeiras obras deve-se por sua mensagem universal e qualidades intrínsecas.



O Cangaceiro é meu filme brasileiro favorito. Li várias vezes Os Sertões, de Euclides da Cunha. Não há como desassociar o filme de Lima Barreto sobre o miserável Nordeste dos anos trinta do século passado, com os miseráveis baianos de Antonio Conselheiro do fim do século dezenove. Lampião comandou o cangaço em toda uma região, sempre itinerante, e em determinado momento chegou a ser designado oficial do exército, ou seja, foi-lhe conferida autoridade! Já Antônio Conselheiro, pecou por agregar desgarrados e outros abandonados da República e ignorar o poder das autoridades municipal, estadual e federal, fixando-se no Arraial de Canudos. Resistiu à várias expedições militares, e também pagou por isto, mas de um modo mais terrível: às custas do extermínio de quase toda a população do arraial. O Cangaceiro dolorosamente relembra um pouco o drama de Canudos: a opressão, a fé e a resignação do nordestino associadas a sua teimosa resistência, a miséria e a seca. É um filme de 1953, o mais antigo destes três. É bruto, cru, direto e realista. A fotografia em preto e branco e a direção são de uma beleza plástica quase poética, pois capta o simples, o rústico. Não há complexidades, nem delírios visionários identificados por poucos privilegiados, apenas uma história a ser contada. Como é bom ver um filme assim: brasileiro, singelo e épico.

Bem, fico devendo o vídeo de O Cangaceiro. Mas o You Tube nos deu uma mão com O Pagador de Promessas, que parece ilustrar razoavelmente este post. (Thintosecco)

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